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domingo, 20 de abril de 2014

About time

O celular despertou às 5h50 com aquele alarme usual que se assemelhava ao toque de incêndio da central dos bombeiros que ficava perto de sua casa. Dormiu pouco, sentiu dificuldade para a abrir os olhos. Chegou muito tarde em casa na última noite, mais tarde do que de costume, como acontece sempre que perde o ônibus das 23h na saída da faculdade. Dormir pouco assim era o que mais a desesperava: tinha pouco tempo para seus sonhos.

Dormir era sua parte preferida da semana, não só pelo descanso que ele proporciona, mas pela dose de alegria que os sonhos injetavam em sua vida mecânica. Seus sonhos eram sempre bons: sonhava com lugares desconhecidos, novos amores e outras cores. Acordar todos os dias sob o som daquela sirene que ela própria escolhera como despertador fazia parte do ritual diário a que estava submetida: acordar - pegar o metrô - trabalhar - pegar o metrô - estudar - pegar o metrô - sonhar.

Às vezes se pegava sonhando mesmo durante o dia (isso ela procurava evitar pois, sempre que fazia isso, acontecia de cometer algum erro no trabalho ou não entender a aula na faculdade). Sonhava sempre que vivia uma incrível história - seja ela de amor, de amizade, ou de vida, uma grande história era sempre uma grande história; mas acordava sempre na hora em que batia o cartão para ir embora.

Nunca deu-se a grandes amores ou paixões: sempre achou que, na vida real, isso não fosse para ela. Sempre se achou pouco interessante e, por consequência, pensou que só atrairia pessoas pouco interessantes. Um dia, em meio ao tumulto para entrar no metrô na volta para casa, um moço puxou assunto para perguntar sobre o livro que ela estava lendo. Eram maravilhosos - o livro e o moço. A camisa xadrez verde dele combinava com a capa com ilustração minimalista em preto e vermelho do livro dela. 

Sentaram-se juntos e conversaram toda a viagem, perderam as respectivas estações de descida, foram parar na estação final, continuaram conversando enquanto observavam a construção do novo estádio da copa do mundo. Os guardas do metrô interromperam, pedindo que os dois se retirassem - o metrô vai fechar, jovens. Despediram-se e trocaram telefones. Ela deu um número falso.

Voltou pra casa, pegou o último táxi da noite - tinha medo de desconhecidos -, tomou um banho e desligou o despertador. Era sexta-feira, teria algumas horas a mais para seus sonhos. (Às sextas-feiras ela dormia com a janela aberta; passava alguns minutos observando as árvores lá fora e o jogo de sombras que elas faziam nas paredes - acabava sonhando com isso)

sábado, 28 de setembro de 2013

Chuva

Noite amena lá fora, do lado de dentro o corpo aquecido pelo calor artificial do aquecedor e pelo calor reconfortante do chá que me habituei a tomar todos os dias antes de dormir. Do lado de fora da janela vedada por grossas tiras de borrachas num mecanismo que impede qualquer entrada de ar - e consequentemente do frio que está chegando -, ouço os trovões da chuva que desde o meio da semana a meteorologia vem anunciando.

Minha mente voltou muitos anos no tempo - pelo menos uns 15, se não mais. Me levou de volta para o tempo em que eu tinha medo da chuva. Mais do que medo da chuva, medo de trovão, raio e relâmpago. Lembro de uma cena que provavelmente nunca sairá da minha cabeça: eu, com mais ou menos 7 anos de idade, sozinha em casa, quando começou a cair uma chuva bastante violenta e eu entrei em desespero. Lembro de tudo: das paredes, do sofá, da estante de ferro, dos azulejos da cozinha; do barulho da chuva, da ausência dos meus pais e dos meus irmãos e, sobretudo, do meu choro e do meu pavor.

Hoje já não sinto mais medo da chuva; é só uma saudadinha que me invade. Nostalgia do tempo em que os meus medos se resumiam a esse tipo de coisa. Hoje os meus medos são de uma natureza diferente. Tenho medo de ficar doente em um país estranho; medo de o dinheiro não ser suficiente para pagar as contas; medo de que o professor me chame no meio da sala e eu não entenda o que ele disse.

Hoje de nada adianta ter medo da chuva. Houve um tempo em que eu poderia correr para a cama da minha mãe caso os trovões fossem muito fortes ou a energia acabasse. Mais velha, eu poderia correr para o aconchego do namorado sabendo que ouviria um "deixa de ser boba, é só uma chuva, vamos ver um filme". Não há ninguém aqui que possa ouvir meu drama exagerado. Engulo o susto, o receio, e outro gole no chá.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

aos poucos a vida vai se ajeitando. dia após dia, vou retomando e refazendo meus velhos hábitos: os horários de levantar e deitar, as refeições, os filmes vistos, as músicas ouvidas, as risadas dadas. sou como um espelho mágico que reflete tudo o que está do lado de fora e guarda bem secreto tudo o que está do lado de dentro. mas falta gente aqui. falta do lado de fora gente que transborda do lado de dentro. viro a cabeça para o lado para fazer um comentário bobo, não te vejo por perto. 

sábado, 10 de agosto de 2013

Dos dias depois de ontem

Hoje faz 30 dias que tudo mudou. Há 30 dias uma Caroline ficou no Brasil e uma nova Caroline começou a nascer. Ainda sou a mesma, mas se somos afetados por tudo o que há ao nosso redor, é inevitável que dia após dia eu me torne uma nova pessoa.

Há 30 dias comecei a protagonizar o que sempre foi o sonho da minha vida. Eu sempre imaginei que nem tudo seriam flores, mas certos espinhos eu nunca pude prever.

Entre a vida que ficou para trás e a vida que está sendo gerada agora parece que há um enorme curso d'água: eu fico em dúvida se devo tentar pular ou achar um atalho. Fazer o retorno não é uma opção. Quero atravessar para o outro lado mas não quero perder o primeiro de vista. Fico aqui, sentada às margens. Aceitarei as flores e aceitarei também todos os espinhos que as acompanharem.

O saldo final será indubitavelmente positivo: os arranhões serão invisíveis perto das novas cores e novos aromas (mas estarão para sempre lá, os arranhões, as cores e os aromas).

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Das últimas coisas

"Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo dos céus."

Em menos de 24 horas começarei a realizar o sonho que tenho desde muito nova. Eu nunca imaginei que o início da realização desse sonho fosse tão difícil.


Olho para o quarto que ficará para trás; olho para as fotos dos amigos que demorarei muito tempo para reencontrar; vejo a família reunida na cozinha para uma refeição da qual só voltarei a desfrutar daqui a dois anos; vejo o Isaac perguntando se eu estou precisando de alguma coisa; vejo o João do meu lado que está vibrando por ter derrubado todos os monstrinhos do Angry Birds no meu celular - e não faz a menor ideia do que está acontecendo; não faz ideia de que na próxima noite a "côca" dele não estará mais aqui para brigar com ele.


Estou vivendo de muitos últimos momentos: a última comidinha da mãe, a última historinha contada para o bebê, a última dormida do Isaac na minha casa, a última vista do meu bairro à noite - que não tem nada de especial, o último abraço nos amigos queridos - os de longe e os de perto; um monte de coisas que ficarão suspensas por dois anos.


Dois anos que serão vividos intensamente por mim do lado de lá do oceano, e também pelos que ficarem do lado de cá. E isso é o que enche a gente de apavoro: não saber em que estado estarão as coisas daqui a dois anos. O João vai deixar de ser bebê e se tornar uma criança grande; a Lolô aprenderá a falar e engatinhar; talvez algum novo sobrinho nasça; talvez novos membros apareçam na família; talvez os amigos se casem - dois dos melhores que a vida me deu já me fizeram o convite oficial para o casamento, e eu perderei a oportunidade.


Se eu pudesse, escolheria congelar a vida aqui neste 8 de julho e retomá-la na minha volta. O casaco ainda estaria pendurado na cabeceira da cama, o chão ainda estaria bagunçado com os meus sapatos jogados, a comida ainda estaria quentinha em cima do fogão. Quando eu voltar tudo e todos serão diferentes: os a decoração, o ar e as pessoas. Mais que isso, eu voltarei outra pessoa; voltarei com a bagagem repleta de experiência e coisas boas - e ruins também - pra contar.


No mais, fica a responsabilidade de aprender a administrar a saudade e as ausências - sobra tanta falta - e, do lado de cá, pedir para Deus cuidar direitinho de cada um dos meus - e multiplicar o dinheirinho para que o máximo de gente bonita possa me visitar. Olho pra trás e vejo que 2011 já é um ano muito distante. 2015 está logo aí. Au revoir, Brasil.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos."

Fernando Teixeira de Andrade

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

Mário de Sá-Carneiro

Um sábado qualquer - 694

Carlos Ruas, no Um sábado qualquer

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Prêmio Nobel de Literatura 2011

Na manhã de hoje (06) foi anunciado o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2011: o poeta sueco de 80 anos, Tomas Transtörmer, foi premiado com medalha, diploma e uma pequena bagatela de 10 milhões de coroas suecas (aproximadamente R$ 2,7 milhões de reais).

Não conheço nada desse poeta, assim como não conheço a esmagadora maioria dos premiados. Quero dizer, conheço a grande maioria de nome, e não por ter lido suas obras. É com certa vergonha que exponho: nunca li nada de nenhum Nobel.

Cheguei muito perto do Saramago, mas alguma tarefa mais importante à época me impediu de ler o Ensaio Sobre a Cegueira, que é o primeiro do português que desejo ler, já que o filme adaptado entrou para a minha lista de favoritos.

Pois hoje eu perdi a chance de finalmente poder dizer que li um Nobel de Literatura, e antes mesmo que o prêmio fosse divulgado: o japonês Haruki Murakami era um dos favoritos para levar o prêmio pra casa - e pra conta bancária.

Do Haruki, li Norwegian Wood, que está sendo adaptado para o cinema e tem estreia prevista para 17 de novembro aqui no Brasil. Uma vez que o livro não é um bestseller, o filme também não deverá ser blockbuster, já que ele não possui - na minha concepção - os requisitos para um filme
sessão pipoca. Norwegian Wood é denso; fala de solidão, de angústia, talvez questione o porquê de as coisas acontecerem da maneira que acontecem.

Li quando tinha 15 anos, acho. Lembro que o peguei emprestado na Biblioteca Municipal da Mooca, que era próxima à escola onde eu fazia o ensino médio. Lembro com muito carinho daquela época e das leituras que fiz ali, naquela biblioteca. Eu era só uma estudante de ensino médio, tinha tempo livre de sobra pra fazer o que quisesse, o que incluía ler muitos livros e assistir a muitos filmes no cinema. Posso afirmar que foi nessa época que eu descobri e desenvolvi essas duas paixões que hoje tenho: livros e filmes. Escolhia o que ler e o que assistir pela capa e pelo título. Nunca pelo nome do autor, já que, naquela época, minha bagagem cultural era ainda menor do que a que tenho hoje. O título mais intrigante me ganhava fácil nas prateleiras. Quando peguei o Norwegian Wood, lembro que peguei pelo título, que eu nem sabia a pronúncia correta, e pela capa, toda cinza com um círculo rosa em reserva de verniz - que eu viria a descobrir o que era um ano depois, no meu curso ténico em Design Gráfico.

Essa é a história sobre como eu perdi a chance de dizer que li, aos 15 anos, um Nobel de Literatura antes de ser premiado. Enfim, gostaria de reler Norwegian Wood antes da estreia no cinema, o que creio que não será possível devido à minha amiga companheira Fuvest, que vem me atormentando desde agosto. Uma pena!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Estar sem Twitter está me ensinando a fechar a minha boquinha quando é desnecessário falar. +1 ponto